Durante os anos 80, Alvaro Villela esteve intensamente envolvido na luta contra o regime militar, em defesa da democracia no país. Após assistir, em 1989, Sob fogo cerrado, cuja trama retrata a tomada de consciência de um fotógrafo americano que resolve desenvolver uma narrativa visual em favor da revolução Sandinisita na Nicarágua, o ativismo político de Villela ganhou ainda mais força. O filme também permitiu-o descobrir a força da linguagem não verbal, o que o fez optar pela carreira de fotógrafo.
Em 2004, nasceu o projeto Cuba dos Cubanos, que consistiu em uma expedição de um mês em Cuba em que Alvaro Villela percorreu mais de 2500km de carro e realizou mais de 800 fotografias. Trinta dessas fotos compuseram uma mostra homônima que percorreu as principais capitais do país. Também com esse projeto, Álvaro participou do Foto Arte 2005 em Brasília, um dos principais festivais de fotografia da América Latina, e do programa de arte visual itinerante do SESI-SP. Segundo Villela, o objetivo desse trabalho, muito mais do que informar, foi provocar sensações a partir do uso de cores fortes e de imagens com densidade sociológica, onde se destaca o vigor do ser cubano.
Em A Natureza do Homem no Raso da Catarina, Alvaro Villela trouxe a força dos índios Pankararé. Esse ensaio rendeu ao fotógrafo seu primeiro livro, lançado na Pinacoteca do estado de São Paulo, considerado pela crítica especializada como um dos dez melhores livros de fotografia de 2006 no Brasil. Além de exposições homônimas nas principais capitais do país e em New Orleans e Bratislava, Alvaro Villela também participou de coletivas em Portland, Seattle, San Francisco e Siegen (Alemanha) para apresentar o projeto.

Cuba dos cubanos
Recentemente, Villela se debruçou sobre as comunidades ribeirinhas que vivem no entorno do Rio Grande, no oeste da Bahia, no Rio Paraguaçu e na Bacia do Rio de Contas, trazendo o documental Povo dos Rios. Desse projeto surgiu o ensaio Faces, que foi selecionado para a exposição coletiva, PESO y LEVEDAD, com outros 14 fotógrafos latino-americanos, no Photo Espanha 2011, em Madrid.

A Natureza do Homem no Raso da Catarina
Ao longo da sua carreira fotográfica, Alvaro Villela teve algumas de suas obras adquiridas pela Fundação Joaquim Nabuco, além de ter sido o único brasileiro selecionado para o TOP 50 – 2010 no PhotoLúcida – Portland/USA. Villela também foi indicado para o PRIX PICTED 2010, uma das mais importantes premiações em fotografia voltadas para o tema sustentabilidade, além de receber premiações no Foto Arte Brasília, em 2009, e nos 3º e 4º concursos nacionais da Leica / Revista Fotografe Melhor.

Povo dos rios
Atualmente, Villela divide seu tempo entre o mercado publicitário e seus projetos pessoais, que tem como principal foco de interesse o ser humano e suas relações sociais.
Em que momento surgiu a oportunidade e o interesse pela fotografia?
Quando eu descobri que queria ser fotógrafo, estava no último ano de Biologia, mas o curso estava trancado por causa da militância política. Como fotógrafo, pensei em fazer o curso de jornalismo, eu não queria ser jornalista, já era fotógrafo, mas, na época, o mais próximo da fotografia era o curso de comunicação social.
Como surgiu a idéia de ir para Cuba e realizar o projeto Cuba dos Cubanos? Como foi essa experiência?
Passei 28 dias na ilha dos cubanos. Foram dias de muitas emoções e surpresas. O plano era ficar uma semana em Havana. Eu estava numa fase em que me sentia insatisfeito com a minha fotografia, praticamente muito voltada para o lado comercial. É verdade que eu ganhava mais dinheiro, isso não é ruim, mas a que custo? Estava buscando outras motivações para o meu trabalho e fazer Cuba naquele momento me pareceu o mais acertado. Naquela época eu ainda achava que era preciso ir para um lugar diferente a fim de fazer um ensaio mais autoral. O que percebo hoje é que, mesmo sem entender, mantive minha coerência, pois sempre admirei os ideais que nortearam a revolução cubana. Hoje percebo o por quê de ter escolhido Cuba e também entendo que não precisamos ir à lugar nenhum para fazermos boas fotos.
Em Santiago de Cuba, praticamente na outra ponta da ilha, quando chegamos, em julho, estava acontecendo o carnaval, uma coisa meio que mambembe, mas interessantíssimo!
Em Cuba dos Cubanos, optei por fazer cor, achei que, para trazer o vigor do viver em Cuba, as cores seriam minhas aliadas.
Seus projetos de maiores destaques foram feitos em lugares mais carentes de recursos e de atenção por parte dos governantes. Como surgiu a predileção por fotografar essas regiões mais esquecidas e, de certa forma, dar voz a essa população?
Hoje, eu entendo que essa escolha, digamos assim, tem haver com as minhas convicções ideológicas. Durante muitos anos, fui militante comunista e os ideais de uma sociedade em que a maioria da população possa gozar tudo que uma sociedade moderna possa oferecer, desde muito cedo, fizeram meus olhos brilharem e me motivaram a ir à luta. Quando comecei a me sentir inquieto com a minha produção fotográfica e comecei a procurar algo que me motivasse. Assim surgiu Cuba e o seu povo e, em seguida, os humanos do Raso da Catarina, miscigenação de negros e índios, viventes em uma das mais inóspitas caatinga do sertão brasileiro, onde formam a tribo dos Pankararé. Na seqüência, comecei o ensaio O Povo dos Rios, no qual procuro dar visibilidade às comunidades ribeirinhas dos rios Paraguaçu, Grande e rio de Contas. Esse projeto, em fase de captação para edição de um livro, trouxe diversas relações que os grupos sociais, que vivem nesse entorno, manifestam com as águas. O projeto seguinte foi o FACES, em que trago um olhar crítico para relação cultural entre os afro-descendentes dos quilombolas e suas origens ancestrais.
Atualmente, estou envolvido em mais de um projeto, um deles tenho chamado de Uma Certa Salvador, o incrível é que eu ainda não havia fotografado minha cidade, pelo menos não como meu objeto de interesse. Quando esse novo trabalho começou a tomar corpo, percebi que era um desdobramento dos dois anteriores. Na verdade, com as fotografias de Salvador, vem à tona os mesmo homens, mulheres e crianças. Falo isso do ponto de vista étnico e social, dos ensaios realizados no sertão e no entorno águas. Entendo esses 3 ensaios como uma coisa só, como se fosse uma trilogia: o sertão, os rios e a cidade. Então, depois de morar 20 anos fora do meu estado, nos 10 anos em que aqui estou, trago um documental da nossa gente fotografada do interior para capital.
Outros projetos atuais são o Sem Fronteiras, um projeto realizado em diversas cidades do mundo, sendo que o que dá unidade ao trabalho é o meu olhar para os ocupantes do nosso planeta e suas relações imagéticas, independente do lugar em que foram fotografados, e o Lá Vem a Cidade, em que trago um olhar referente à difícil relação entre a expansão urbana das cidades e a natureza. Inclusive, em primeiríssima mão, esse ensaio ganhou em 1º lugar no Salão Regional de Artes Visuais, que aconteceu dia 28 de outubro em Porto Seguro. Estou muito feliz com isso, considero como um incentivo ao novo projeto.
Respondendo a pergunta, a predileção surgiu ao olhar para mim mesmo!
Você, atualmente, mescla seus trabalhos entre a publicidade e projetos autorais. Essa permanência no mercado publicitário deve-se à dificuldade de conseguir se manter exclusivamente com a fotografia documental?
Não é bem assim, é claro que eu gosto de fazer as fotos publicitárias, é um desafio dar vida a determinadas boas idéias, na maioria das vezes, originadas de uma agência de publicidade. Nesse trabalho, bem diferente da fotografia documental em que sempre estou só, trabalho com uma equipe, toda ela sob minha coordenação. São modelos, produtores de moda, maquiadores, assistentes, enfim, um trabalho coletivo que não acaba com o meu click. Depois vem os especialistas em Photoshop, que fazem as fusões de imagens e ajustes finais antes de chegar às ruas em forma de anúncios de revista, jornais, outdoor, etc.
O que costumo dizer é que um trabalho termina ajudando o outro. Eu levo para o estúdio a minha experiência em fotografar a vida real, em lidar com gente, e isso é muito bom quando estamos fotografando para uma campanha onde tudo que precisamos é que o olhar do modelo passe verdade. Já para as ruas, levo o rigor técnico desenvolvidos durante os mais de 20 anos de fotografia publicitária, tanto no que diz respeito à composição e luz, mas principalmente o discernimento e agilidade em resolver problemas.
No entanto, é verdade também que ainda é difícil me manter apenas com os meus projetos que tem como objetivos as exposições e a publicação de livros. Quando lancei o livro A Natureza do Homem no Raso da Catarina, em 2006, o projeto contou com o patrocínio da CHESF, porém o Povo dos Rios está pronto desde 2009 e ainda não temos patrocínio.
Um subproduto do meu trabalho, digo assim por não ser esse o meu principal objetivo, tem sido visto como fine art, ou seja, voltado para o mercado de decoração e colecionadores.