Rafael Martins
Se você gosta de caminhar pela cidade, já deve ter cruzado com ela por aí. Shirley Stolze já andou em quase toda esquina de Salvador, principalmente ali nas curvas de Ondina, onde gosta de caminhar logo cedo. Mas é como fotojornalista que ela mais circula.
Conta que aprendeu a fotografar vendo imagens de Nair Benedicto, Aristides Batista, Evandro Teixeira e conversando muito com seus colegas. Começou no Correio da Bahia e foi na universidade da rua que se formou em fotojornalismo: “A gente sai na rua e o olhar é para direita, esquerda para o alto e para baixo, é preciso ficar bem atento às coisas que estão acontecendo para não perder nada. Se você perdeu, já era, não repete a imagem.”
Shirley Stolze em ação na rua durante a pandemia do COVID-19 Foto: Rafael Martins
O gosto pelo caminhar veio primeiro, a fotografia depois, mas hoje não sabemos qual é a causa ou o efeito. Shirley sai caminhando da Ondina até a Praça da Sé e nem sente o tempo passar, como ela mesmo gosta de dizer: é uma andarilha fotógrafa. É andando pela rua que se consegue sentir a temperatura da cidade, observar o que abriu e o que fechou, parar para tomar uma água de coco e fazer um clique.
Sempre com uma câmera em mãos, para ela, um fotojornalista precisa ter o domínio da técnica, a percepção dos acontecimentos e a sensibilidade: “A sensibilidade ajuda o olhar do fotojornalista, a você ter uma sacada, sentir que a coisa vai acontecer ali. A foto vai acontecer no movimento” e neste vai e vem, já se vão 32 anos de fotojornalismo. Com um olhar voltado para a cidade e outro para a empatia com o próximo, Shirley têm ajudado a contar a história de Salvador.
Shirley Stolze no bairro do Rio Vermelho. Foto: Rafael Martins
Mas não se engane: esta “menina” de 61 anos acabou de passar por uma das suas maiores aventuras na profissão: trabalhar na pandemia do Coronavírus. Shirley, que atualmente é repórter fotográfica do jornal A tarde, não parou de fotografar e ir para a rua registrar os principais momentos da pandemia do COVID-19 em Salvador. Mesmo sendo do grupo de risco, seu ofício não lhe deu outra opção senão encarar o perigo tomando todos os cuidados possíveis para não se contaminar.
Ela nos conta que uma das maiores surpresas foi encontrar as ruas vazias no começo da pandemia: “Chegar no Pelourinho e não encontrar um pé de pessoa, ninguém. E eu ouvia, literalmente, o silêncio naquele Terreiro de Jesus. Eu fiquei uns cinco minutos parada no Terreiro com a máquina na mão olhando para aquele lugar que parecia uma cidade mal assombrada. Aquele lugar que a gente é acostumado a chegar e ouvir tantos barulhos, não tinha absolutamente ninguém, só o barulho do vento nas palmeiras e tudo fechado. Eu fiquei muito impactada e refletindo sobre a loucura que é essa pandemia.”
Como uma profissional do jornalismo, Stolze já precisou assistir muitos momentos difíceis na sua carreira e lembra-se que o medo é necessário na vida de todo mundo. Fica impressionada com a normalidade com que as pessoas voltaram a circular nas ruas, a falta de cuidado com o outro em aglomerações desnecessárias e a não utilização das máscaras em muitos ambientes.
Terreiro de Jesus no Pelourinho vazio durante a pandemia. Foto: Shirley Stolze/ Ag: A TARDE
Chuva e ruas alagadas em Salvador. Foto: Shirley Stolze/ Ag: A TARDE
Sérgio da Rocha, Arcebispo Primaz do Brasil, durante a missa na Catedral Basílica de Salvador. Foto: Shirley Stolze/ Ag: A TARDE
Conversando sobre sua carreira, Shirley relembra situações que viveu quando trabalhava no jornal Bahia Hoje. Certa vez, a caminho de uma pauta, estava passando na Liberdade quando viu uma confusão no ônibus, várias pessoas saindo e gritando nas ruas. Pediu para o motorista parar o carro e já foi abrindo a porta, saiu correndo segurando a máquina em direção ao local para ver o que tinha acontecido. Havia acabado de acontecer um assalto à mão armada. O ladrão tinha roubado passageiros e baleado a cobradora. Rapidamente a colocaram no carro do jornal e foram em pânico até o HGE. Ela chegou viva no hospital, mas infelizmente não sobreviveu.
Sequência completa do assalto na Liberdade publicada no Bahia Hoje. Foto: Shirley Stolze.
O mundo do fotojornalismo está mudando rapidamente e, como testemunha ocular, Shirley também se reinventa. Acredita que para o fotojornalismo não há nada melhor que a fotografia digital: “A praticidade para o envio das fotos via celular é fantástica.”
Ela também percebe a diferença nas dinâmicas da redação. Antigamente as pautas eram mais efervescentes – manifestações, greves, etc – e hoje as pautas são mais mornas. Antigamente era “sangue no olho” e hoje vivemos a era das assessorias de comunicação. Shirley diz que sente falta das matérias mais investigativas que eram o diferencial dos jornais e rendiam conteúdos especiais que o repórter se dedicava por longos períodos.
Fila para o saque do auxílio emergencial na Caixa Federal. Foto: Shirley Stolze/ Ag: A TARDE
Além da sua atuação no fotojornalismo, Shirley foi convidada para fazer parte do coletivo Iluminez, formado por fotógrafas de Salvador. Este movimento tem levado a arte fotográfica de forma acessível para pessoas na rua. Com ações de lambe-lambe e exposição em outdoors, o coletivo apresenta fotografias em espaços públicos da cidade, uma iniciativa que promove a democratização do acesso à arte em galeria aberta. Para Stolze, as mulheres da nova geração da fotografia apresentam um olhar apurado, essencial para a produção que está por vir.
Por fim, no balanço final, a fotógrafa agradece a esta profissão que tem dado a ela régua e compasso.
Acompanhe Shirley:
Acompanhe o Labfoto no Instagram:
Sobre o autor: Rafael Martins é fotógrafo há 10 anos e transita entre o fotojornalismo e a fotografia noturna. Algumas vezes registra, em outras inventa. Sabe que é através da ficção que se constroem realidades na fotografia.
Os olhares de Salvador estão se renovando, e, por isso, é importante promovermos o encontro dessas diferentes gerações de fotógrafos e fotógrafas. Aqui na coluna Lambfoto faremos alguns perfis – dos mais experientes até os que estão começando sua jornada. Se tiverem sugestões, podem mandar para a gente!