Ler é uma elaboração sucessiva de imagens e uma experimentação, própria a cada texto, de sensações. O ensaio fotográfico propõe uma radiografia das metáforas visuais constituídas a partir dos referenciais dos fotógrafos e da fruição de dois textos elaborados por estes. Dessa forma, objetiva-se expor as etapas da cadeia de sentidos traçadas numa leitura – o texto não diz tudo dizendo, mas diz na ordem do remetimento.
“Quando Beatriz rompeu por este mundo nascendo de uma pirueta que as horas da aurora ampararam espalhando pelo horizonte uma fita rubra e outros tanto tons rosados firmemente pincelados pelos vários cachos já dourados que saiam por trás dos montes: notei-me de relance nas mãos como espelho – o mundo havia sido criado – como era feia a matrona Florença – respirei baixinho, arfei, finalmente, marcando os passos daquele novo astro.
Chegou-se um mascarado e sussurrou-lhe ao ouvido promessas de música eterna para te alimentar a alma. E tocando o alaúde, levava para Veneza a pobre Beatriz, escrava de seu próprio corpo e do de ninguém; e eu com as mão estendidas, e eu com as mãos vazias, sem tocar guitarra flamenga ou mourisca (…)” (Pedro Soledade)
“O universo não surgiu, a vida não começou; tudo é escuridão.
Abro os olhos, mas tudo o que tenho à minha frente é escuridão. Aperto-os bem forte na tentativa de extrair um suspiro, um respingo de vida. Mas quando os abro novamente – escuro, escuro, está ainda tudo escuro. E me perco na incerteza do que existe em verdade, do que há e do que não há. E eu nem sei se o mundo é.” (Maruzia Dultra)
Pedro Soledade
Maruzia Dultra
2005.2